Maurício de Almeida estreou com o estupendo Beijando dentes, livro de contos vencedor do Prêmio Sesc de Literatura que o inseriu na cena brasileira, seguido do também premiado romance A instrução da noite. Equatoriais é seu retorno aos contos numa continuação de sua pesquisa sobre amor e linguagem. Ao longo de 13 narrativas, Maurício mescla o tom lírico e o testemunho da antiguidade do afeto, o amor como o passado do passado. Logo no primeiro conto, que dá título ao livro, Maurício dimensiona o trajeto: escreve as estradas pelas quais se buscam e colidem não apenas as relações de afeto, mas a própria planta baixa do país. Há uma travessia pelos estados brasileiros, povos originários, generais, relações paternas e quinas de todo tipo, estas sempre na linguagem. Em “Atlântico-noite”, singramos um “on the road litorâneo” em que o amor trepida: “existe algo que me inabilita, porque inevitavelmente concluo existir a possibilidade de viver outras coisas”. Não só os amores perturbam rotas e frustram paisagens, talvez as viagens também não sejam tudo o que prometem os peregrinos. O corpo da amada e o corpo da estrada excitam e exaurem, “cravo as unhas, mordo como quem morde uma fruta”. “Estuário” mostra pai e filho numa situação inusitada que os fará jogar, literalmente, o mesmo jogo. Em “Transladação dos restos mortais de João Barbosa de Faria”, um fotógrafo em pesquisa de campo relê a biografia do etnógrafo responsável pelos trabalhos científicos das Linhas Telegráficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, enquanto relembra o filho que perdeu antes de nascer. No conto “Adentro”, a desolação indígena é a condição mais originária de nosso abandono, a transamazônica não leva a lugar nenhum, é um delírio. Em “Sobre as causas das plantas”, as premissas do enxerto ensinam que “as combinações são tantas quanto possíveis, mas nem todo encontro se sustenta”, uma bela pesquisa entre as nuances da botânica e do abraço. Algo das matas frescas de uma possível humanidade é moído num fordismo dos afetos em “Ouroboros”, em que um casal também se desdobra numa estrada: “ela e eu presos no movimento maquinal desse sistema em nada aleatório”. Em “Asfalto”, surgem indígenas e ditadores numa espiral entre a doença e um país que nunca dá a largada. Contos entorpecentes que também podem ser lidos como capítulos de um romance, um casal é sempre a mesma estrada. As rodoviárias, as estradas que cortam o Brasil, seu povo originário e ditadores no mesmo bioma que asfixia e expulsa. Fragmentos colhidos pelo antropólogo, não os que conhecemos como tal, mas aqueles que narram antes da palavra (Andréa Del Fuego).
Equatoriais (Contos)
Capa comum
156 páginas
Maralto Edições (2023)